segunda-feira, 25 de junho de 2012

O homem que julgava que era outra pessoa


Ninguém percebia o sorriso enigmático que apresentava nas alturas mais improváveis, ao levar a cabo as tarefas rotineiras que lhe eram exigidas no trabalho ou a levar o lixo para a rua. Apenas um homem calvo, dos seus trinta e poucos anos, sem ser gordo nem magro, não sendo especialmente bonito, era apenas um homem comum a viver uma vida que se diria monótona. Não se percebia o brilho que apresentava nos olhos quando o mundo que o rodeava era baço. Normalmente passava despercebido, não havendo nada em si que chamasse a atenção à primeira, ou mesmo à segunda vista. Aliada à sua estrutura física em tudo banal, apresentava uma personalidade que se diria simpática, que é o que chamamos às coisas que são agradáveis mas na verdade não fazem muito por nós. Bem-disposto mas não especialmente engraçado, afável mas não especialmente interessante, por vezes comunicativo mas não especialmente charmoso. Era, resumidamente, um tipo simpático.

Ora então, não se percebia como um homem assim, tão mediano que se diria que foi ele que estabeleceu a classe em que se insere, apresentasse um tal sorriso. Um sorriso de quem sabe mais do que os outros, de quem esconde no seu ser a última carta que lhe permitirá ganhar o jogo. Mas que jogo? Que vantagem poderá haver em estar preso no trânsito, que mistério haverá aí para esconder?

Este traço, o único que se poderia dizer peculiar da sua personalidade, tornava-se mais notável em certas situações. Nomeadamente quando se propunha a objectivos que estavam claramente fora do alcance de um homem mediano como ele. Como desafiar para um jogo de futebol os miúdos da rua dele, ou tentar a sua sorte com a mulher mais atraente da festa. Ele saía invariavelmente derrotado, mas mesmo nesses momentos, quando se diria perdido e humilhado, encolhia os ombros e apresentava o tal sorriso.

Foi um choque para todos os que o conheciam quando oficializou o namoro com a bela mulher que agora é sua esposa, foi um choque ainda maior quando o restaurante em que haviam investido todas as suas poupanças se transformou numa cadeia e depois num franchise. Foi um choque para todos mas não para mim. Para mim foi o culminar de algo que me confessara anos antes quando, após uma noite bem regada, o confrontei acerca da sua atitude enigmática.

“Não há nada de enigmático no que faço, apenas faço o que posso com o que tenho. Como sabes, sou uma pessoa acima da média. Sou inteligente, culto e carismático. Para além disso, como sem dúvida já reparaste, sou bonito e fui abençoado com um físico fora do comum, o que me torna muito atraente ao sexo oposto. Como se isso não bastasse, tenho a sorte de fazer algo de que gosto diariamente. Tenho um trabalho que me estimula intelectualmente e todos os meus dias são uma aventura. Eu sorrio porque tenho razões para isso. Acredita, se fosses eu também sorririas.”

Ele é louco.
Mas é um louco feliz.